4 de maio de 2012

Lua em cor de cobre


Marco e Luiza continuam pelo deserto. Quando a noite tomba, aproximam-se da tenda e veem, sobre a planície, a lua que desmaia em cor de cobre.
- Ó noite! Grande noite!..., exclama Marco. Se o vento nos levasse em suas asas!
Ao lado da fogueira, nos imensos jardins do oásis, como amante em noite de núpcias, Luiza se prepara à beira da fonte.
- Onde acabará esta viagem? Haverá outros jardins, sob um céu mais tranquilo? Tivemos um casamento feliz? Com que sonhas agora, querido? Toda minha alma suspira, enlanguesce junto a ti.
Percebem que são livres para inventar o amor, com o preço da completa imprecisão.
- Quem somos nós? O futuro mostrará? Quando o futuro chegar, a pergunta mudará? Será que fizemos o que queríamos? Será que preenchemos nosso destino?
Jamais irão saber. O destino habita a alma selvagem - alma que entregaram em troca de conforto e paz espiritual. 
Deitam-se ao lado de um ralo tufo de palmeira, sob a lua ensanguentada, e soluçam de amor pela noite.
No dia seguinte, o deserto se cobre de miragens, e partem amparados pela visão de não se sabe qual felicidade, como quem prepara cuidadosamente um sonho.
Marco canta as florestas profundas, o odor dos musgos, as brumas da manhã e a umidade que há nos prados. Luiza ouve com calma, menciona o azul mais claro, o ar menos escaldante, a noite menos tórrida.  
- Lá estaremos em breve?

3 de maio de 2012

As flores frias do amor


Marco saía do bosque e, ainda noturno, sentou-se no declive para esperar o sol nascer. Diante dele, estendia-se a relva úmida, onde havia flores de todas as cores e névoas de todos os reflexos.  Marco esperava a felicidade, confiante, a pensar que ela viria como o pousar de um enxame e que tudo, para ele, já estava a caminho.

Apanhou flores e desceu ao fim da colina, em direção às fontes, para nelas molhar o rosto e mirar-se no espelho das águas. Voltou-se, rumo a casa, onde Luiza ainda despertava, sozinha.

- Veja, são flores do bosque. Elas vivem na sombra. Colhi-as para você. Venha comigo!

Luiza sorriu atenciosa. Marco tomou-a pela mão e caminharam até a relva. Sonhavam com o amor, temiam a posse, aprendiam confidências. As perguntas eram desejos, a satisfação eram respostas. 

As noites vinham sem sono, tão belas que nem fechavam as janelasDormiam assim, à luz da lua, com uma trepadeira de rosas envolvendo a janela, derramando alguns ramos para dentro do quarto. O amor fazia-os dormir bem tarde e acordavam com torpor.

As horas corriam depressa e viver já não era como antes. Logo se cansaram de descer ao bosque e, por mais que Luiza implorasse, Marco não mais contava a história dos jardins suspensos na planície. Não iam sequer passear pelos campos.

Colheram cedo demais toda flor desejável. Entediaram-se junto ao sol. 

Eu vejo, elas passam


Contemplo o presente. No futuro, as coisas só se apressam para ser. Eu as vejo, e elas passam, escoando-se para o passado. São as mesmas formas que passam. Só a vibração que muda.

Porque as mesmas formas?  Porque o mundo, por ser imperfeito, precisa sempre recomeçar, lançando-se para alguma forma primitiva.

Desejamos ser felizes como se não houvesse mais nada pra ser, ou como se o passado não triunfasse sobre nós. Assim, por sermos imperfeitos, precisamos recomeçar sempre.

Toda obra que não se manifesta é inútil. Todo homem que não se manifesta é inútil. Tudo deve ser manifestado, até as coisas mais chulas. Toda obra se cristaliza em meio à multidão, onde o artista se isola, escapa ao tempo. Nele, lentamente, a obra se recria. 

23 de março de 2010

Ficção em vida

Dizem que a leitura está se tornando uma atividade cada vez mais feminina. A explicação é que as mulheres se dedicam mais às fantasias. Como sou avesso à divisão entre saias e calças, só me resta uma certeza: há cada vez menos leitores no mundo, e uma sociedade sem leitura está fadada a pôr sua própria liberdade em risco. 

O grande barato agora é a especialização do conhecimento. Os guetos de técnicos e especialistas que fazem do conhecimento uma utilidade programada, mostrando a vida com esquemas e fórmulas. A literatura, ao contrário, sobrou como espaço para que indivíduos se dialoguem e se reconheçam como membros da mesma espécie, armando-se contra o preconceito, refletindo sobre o que somos e como lidamos com nossos atos, sonhos e fantasmas.

Esse conhecimento “totalitário” (e não especializado) encontra-se, hoje, na ficção, que, em prol da liberdade, continua como maior alimento contra as ofensas e imposições deste mundo que nos obriga a sermos iguais. A literatura nos torna mais intensos do que qualquer rotina forçada. A literatura é a grande confirmação que a única vida bem vivida mora dentro da ficção.

2 de março de 2010

As últimas de Babel

Um faquir aposentado em Bombaim, suicidou-se depois de abandonar a família para se dedicar à adoração ao Sol, ao Boi e à Cebola. Após ingerir, de forma letal, carne de boi ao sol, com bastante cebola, Amaro das Vinhas morreu de indigestão, mas feliz, já que praticara a teofagia, ou seja, comera seus deuses.

Nos EUA, o senador republicano Roy Ashburn, votou, durante 14 anos, contra todas as propostas de lei para expandir os direitos para homossexuais. Anteontem, no entanto, Ashburn, 55, divorciado e pai de quatro filhos, assumiu em entrevista a uma rádio que é gay. O senador foi parado pela polícia dirigindo embriagado, em carro do governo, enquanto saía de uma boate em Sacramento, ao lado de um homem não identificado.

O poeta mais famoso de Burma, saiu de casa completamente nu. Impelido por admiradores para o interior de um templo, o poeta bradou: "A poesia morreu! Deixem-me morrer também!". A polícia chegou e disse que o poeta podia morrer, mas teria que se vestir primeiro. Em sinal de protesto, o bardo preferiu contiuar vivo e nu.

No Rio de Janeiro, o menor Francisco Clementino, 11 anos, foi prezo em flagrante quando seduzia uma senhora de 65 anos. O juiz de menores sugeriu que alguém tomasse conta do garoto. Apresentou-se uma senhora de 65 anos, que o juiz desconfia ter sido a mesma que fora seduzida pelo menor.

No Tibete, voltou ao convento um monge budista que fora preso em Roma, em atitude de exibicionismo sexual. Repatriado, organizou uma expedição com outros monges para conhecer as tentações daquele lugar cristão e pecaminoso.

16 de fevereiro de 2010

Iluminismo americano

Há uma percepção romântica de liberdade nos EUA. As instituições americanas trabalham, há séculos, para impedir que o Estado crie mecanismos que o torne “parceiro” ou "invasor" das pessoas.

O engenho desse iluminismo estadunidense, diferente do francês, é a liberdade no lugar da igualdade. Todos são livres e ninguém é obrigado a carregar alguém nas costas. Para eles, os direitos vindos do Estado são pretextos para proteger vagabundos que não acordam cedo ou não aguentam o risco da liberdade (o fracasso ao invés do sucesso), como acontece na Europa, que protege seus fracassados (desempregados, sem-tetos, etc) com intervenção estatal.

Os EUA se perguntam: por que devemos nós, mais fortes, aprender com os europeus, mais fracos? E apelidam Obama de “rei inglês”, "socialista", "falso europeu", já que algumas de suas reformas políticas abriram caminho para que o Estado estanque seu sangue neoliberal, sangue incapaz de nutrir a “liberdade americana”.

12 de fevereiro de 2010

A revolta dos muros


São Paulo tornou-se um espaço neutralizado, um espaço da indiferença, perdida em seus milhões de signos. Não é mais um espaço geográfico. São guetos de decodificadores codificados, de circulantes circulados. Em cada espaço da vida urbana se forma um gueto.

Tudo é projetado pelo habitat, transporte, trabalho, lazer, jogo e cultura. Não é mais um espaço geográfico. São guetos de internet, publicidade, leitores lidos de antemão, decodificadores codificados, circulantes circulados. Em cada espaço da vida urbana se forma um gueto, e todos se conectam entre si.

O espaço de solidariedade - da antiga fábrica, do antigo quarteirão e da antiga classe social - desapareceu, mergulhou no espaço da identificação. O levante está em dizer: "Eu existo, eu sou tal, eu faço isso, eu vivo aqui e agora". É a revolta da identidade: combater o anonimato construindo uma realidade exclusiva.

Na contramão disso tudo estão os muros, celebrando a obscuridade. Os graffitis não buscam conquistar uma identidade. Ao contrário, são o extermínio da identidade forçada. Não querem dizer nada. São apenas registros, simbólicos, para derrotar o sistema comum, como se fossem a revolta de si próprios. Explodem como um anti-discurso, contra toda elaboração poética ou política.

Não têm intimidade, ou vida privada, porque vivem da troca coletiva. São feitos para serem doados, trocados ou religados entre si, num anonimato coletivo, como a propriedade de ninguém.

1 de fevereiro de 2010

Na solidão de todos nós

Como recebo mensagens taxando meus textos de pessimistas/"afetados". Quero declarar que, como pessoa comum que sou, escrevo sem qualquer tipo de armadura que possa esconder minha miséria.

Trabalho para sobreviver, como todos. Tento me virar como posso, fazendo contas do mês, lidando com medos e crises repetitivas de baixa auto-estima.

Penso na mulher abandonada depois de anos de dedicação a um homem, só porque chegou aos 40 anos e porque não consegue mais sorrir tão fácil. Penso no homem que vê sua vida pendurada por uma corda, apertando seu pescoço toda vez que pensa nos juros de seu cartão de crédito. Penso no idoso que não vê mais seus filhos porque envelheceu pobre. Penso em você, tomando seu café-da-manhã, sonhando com o sucesso. Escrevo, meus amigos, na solidão de todos nós.

25 de janeiro de 2010

A natureza não precisa de nós

Não há palavras para as tragédias em Porto Príncipe, São Paulo, São Luiz do Paraitinga (a New Orleans brasileira) e outras cidades arruinadas pela chuva. De longe, restou a agonia, a fragilidade, o caos profundo. A vida forçada a parar, num apocalipse de forças além do controle.

A ciência é capaz de explicar, não de prever ou agir. A Terra é um organismo vivo, com placas que tencionam a mudar de posição em busca de conforto, sem dar a menor importância para a destruição. Precisamos da natureza, mas a natureza não precisa de nós.

15 de janeiro de 2010

Contraponto

Quem acompanha ZoroBabel, sabe que há uma crítica constante à sociedade balizada pela eficiência, pela técnica e pela razão científica. Pois bem. Um dos meus livros prediletos, “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, diz justamente que a alma torna-se superficial e fracassada frente a um futuro asfixiado pelo condicionamento da saúde, da alegria e de uma vida calculada.

Nestas idas férias, pude ler “Contraponto”, outro clássico de Huxley, que também nos lembra que adoramos habitar shoppings, calcular o colesterol de cada alimento, pesquisar parceiros que possam nos dar filhos saudáveis, tomar pílulas que nos deixam felizes, temer o “monstro da informação” que decide sobre nossas vidas, prisioneiros que somos da ciência, do sucesso fisiológico e da qualidade de vida.

O mote de Aldous, novamente, é a vida científica como mentira moderna por excelência. Nossa crença burlesca de que, com a ciência, chegamos à terra prometida. A utopia científica desumaniza, deixa a alma seca como poeira, como um vaso limpo, sem sujeiras, de onde nada brota.

23 de dezembro de 2009

As cores de Barack

Uma pesquisa das universidades de Chicago (EUA) e Tilburg (Holanda), atestaram que o tom da pele de Barack Obama varia de acordo com a ideologia de quem a vê.

Com base em imagens alteradas digitalmente, os pesquisadores consultaram os universitários para que apontassem a foto que melhor representava Obama. Os mais liberais indicaram imagens clareadas, enquanto os conservadores indicaram as escurecidas.

Culturalmente, os americanos estão inclinados a associar “luminosidade" a algo bom. Em 2008, na capa da revista Time, a foto do ex-jogador de futebol americano O.J. Simpson foi escurecida logo após ser acusado de assassinato.

4 de dezembro de 2009

Natal enfadonho

O Brasil é um dos campeões mundiais em extravagância natalina. Mas será que os gastos natalinos são um bom negócio para a economia do país? Será que estamos criando (e distribuindo) riqueza?

Joel Waldfogel, da universidade da Pensilvânia, defende que o Natal é uma calamidade econômica e destrói riquezas consideráveis. 


Waldfogel perguntou aos presenteados quanto disporiam a pagar pelo presente que ganharam. Conclusão: os agraciados pagariam apenas 47% do valor real do presente. 

Alguns dizem que a troca de presentes natalinos é uma maneira de mostrar nossa “riqueza” aos outros, e por isso os presentes são chatos.

Presente não é aquele que procuro há tempos, já que eu mesmo posso comprar. Espero algo que eu não sabia que queria. O verdadeiro presente é aquele que descobre nosso próprio desejo.

Invasões bárbaras


Está no Senado, enfim, o projeto de lei que pune a discriminação sexual. Pra variar, barbárie de um lado, civilização de outro. Bárbaros porque não toleram comportamentos alternativos e buscam impor suas maneiras de ser. Civilizado porque são capazes de criticar racionalmente o preconceito.

O fato de uma pessoa exercer determinada escolha não impede que a outra exerça a sua. Mas continuamos ouvindo que o sexo livre, feito por prazer, contraria as leis naturais. 

Não seria um erro misturar as leis da natureza com as leis humanas? Cada indivíduo é capaz de mudar a si próprio, criar o que ainda não existe, substituindo a natureza pela experimentação. Espero que o Senado opte pela civilização.

2 de dezembro de 2009

Sanas do imperador

Ninguém jamais acusou o médico romano Samodecus por ter inventado a palavra/fórmula “abracadabra”. Samodecus, quando se tornou médico do imperador Tibério (que sofria de diversos males), adotou uma prática que se revelaria infalível. Escrevia a palavra “abracadabra” num papiro e mandava Tibério engolir junto a três goles de leite de cabra.

Tibério ficava bem, ficava tranquilo e se fechava no quarto para exercer sua atividade favorita: matar moscas. Generais e escravos foram assassinados porque interromperam o imperador nesses momentos. A caçada de Tibério só podia ser interrompida quando ele decidia levar uns garotos para a piscina.
Historiadores renomados, em diversas épocas, tacharam Tibério de maníaco e depravado, pelas moscas e pelos garotos. Tibério foi o que mais estendeu as fronteiras do império romano. Graças a Samodecus!

27 de novembro de 2009

Deus ainda vai existir


No início do século 20, o teólogo francês Teilhard de Chardin queria, de qualquer maneira, resolver as confusões entre ciência e religião. Na esperança por um mundo socialista, observou que, mesmo dentro de num regime revolucionário, os organismos conservadores, como a igreja, continuariam crescendo.

Foi assim com a Reforma Luterana, a Revolução Francesa, Charles Darwin e a Revolução Russa. Chardin reparou, então, que faltava uma questão insolúvel. A presença de Deus dentro desta união. 

O teólogo refletiu por meses: "o que fazer para Socialismo e Igreja conviverem pacificamente, com um Deus perfeito no caminho?" Por fim, veio a luz: “O Deus que devemos crer ainda não existe, mas vai existir. Podemos ser livres porque a culpa não é humana, mas do Deus que ainda está por vir”.

26 de novembro de 2009

Fantasmas e adultos

Adultos lotando salas de cinema e livrarias à caça de fantasmas, fábulas de vampiros, atrás dos chamados “crossovers”, formatos que, outrora batizados de infanto-juvenis, agora seduzem crianças e adultos. É o caso dos best-sellers/blockbusters “Senhor dos Anéis”, “Crepúsculo”, “2012”, “Os Fantasmas de Srooge", entre muitos.

Em seu livro “Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole Cidadãos” (Record), Benjamim Barber nos lembra que chegaram os “kidadults” (“criançadultos"), uma nova e promissora classe para a indústria cultural. Barber explica que, depois dos anos 1950 (“pós-guerra”), nasceu um tipo especial de amor dos pais pelos filhos, que passaram a encher suas crianças de expectativas, exigindo que fossem aquilo que “papai e mamãe” não conseguiram ser.

Isso criou um tipo de consumidor: indivíduos com pouca tolerância às frustrações, às dificuldades e com tendências à satisfação imediata. Efeito? Quem cresce sem nunca se deparar com dificuldade, acaba, mais cedo ou mais tarde, vivendo no desespero, porque passa a ver como fracasso o que 
deveria como fraqueza.

18 de novembro de 2009

Entrevista com Deo Lopes

Conheci Deo Lopes em uma de suas apresentações solo, no Café Photozofia, em São Francisco Xavier. Sentado ao palco, de sorriso acanhado e inabalável, Deo logo expôs seus caninos de circo, suas suas veias de trovador. Depois fui à Monteiro Lobato assistir seu grupo, o Trem da Viração. Faltava conhecê-lo pessoalmente. Então tive o prazer de cair na estrada com esta lenda das margens do Paraíba, com oito discos na bagagem e que, a cada quilômetro, reforçava sua peculiar mistura entre Tom Waits e Alvarenga, cantando, conversando, ensinando.

Quando
começou a compor?
Componho desde menino, ouvindo músicas sertanejas de raiz. Aos 18, já participava de festivais em São Paulo, Franca, Batatais, São Joaquim da Barra, Piracicaba.
O que a música regionalista representa, de fato, para você?
Gosto de músicas que falam da natureza, dos anseios, que contam histórias de dor e esperança. Gosto de música rústica. Não me preocupo com arranjos. Procuro o conteúdo, a beleza melódica. Penso que tudo é mais simples do que queremos.
Ídolos eternos?
Muitos. Alvarenga e Ranchinho, Inhô Pai, Inhô Fio, Cascatinha e Inhana. Na música popular, Chico Buarque, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Jobim, Vinícius, Paulinho da Viola. Na música internacional, Tom Waits, Philip Glass, Lauri Anderson.
Projetos futuros?
Estou preparando um grupo para gravar Abaixo do Sol, projeto que tenho há cinco anos. Tem também o Contador de Canções, que comecei este ano, com direção do Marcos Cuca.

14 de novembro de 2009

Juízos modernos

A cultura universalista/relativista afirma que cada período histórico possui suas próprias concepções de mundo e, portanto, jamais poderíamos dizer que uma época foi melhor do que outra. Particularmente, acho que o homem viveu muito melhor no século 19 do que no século 20.

Mas os multiculturalistas ensinam que cada cultura possui um sistema fechado, onde o comportamento pode ser julgado apenas por sua própria cultura. Enfim, não podemos julgar uma cultura utilizando valores de outra. Muçulmanos vão continuar acreditando em paraísos de virgens, índios em seus espíritos da floresta, e o relativismo se dissolverá, relativizando a si próprio.

7 de novembro de 2009

Nos porões da resistência

Da clássica troca de mimos entre música e política, no final do século XX, nascia a B92, pequena rádio comunitária enfurnada nos escombros de Belgrado durante a guerra da Iugoslávia - que dividira a República Socialista no início da década de 1990. Liderada por jovens apaixonados por rock’n’roll, literatura e arte – e oprimidos pelo nacionalismo sangrento de Slobodan Milosevic –, a B92 imprimiu seu sonho de liberdade equipada por um modesto rádio-transmissor e alguns álbuns de rock.

Escrito por Matthew Collin, B92 - Rádio Guerrilha descreve, em pormenores, a empreitada apaixonada desses rapazes, auto-intitulados de “geração perdida”, sôfregos em transmitir seu jornalismo cortante, sua música urgente, pautada pelo grunge de Seattle, o house beat de Chicago e muito hip hop.

Veran Matic, editor e capitão da equipe, lançava campanhas para legalizar a prostituição, o homossexualismo e o uso de drogas leves - além de convocar, em suas entrevistas, ideólogos renegados pelo regime. A B92 era assim, a própria antítese de Milosevic, borrando de vermelho a arquitetura social e política da ex-Iugoslávia.

25 de outubro de 2009

Entrevista com Leona Cavalli

As letras parecem mesmo invadir o mundo da artes cênicas. Depois de inúmeros atores lançarem, recentemente, suas biografias (encabeçados pela best-seller Vera Fisher), agora foi a vez de Leona Cavalli expor suas inclinações literárias. Revelada pelo teatro paulistano, e mergulhos na televisão, a atriz acaba de lançar "O Caminho das Pedras", espécie de livro-bússola para intérpretes e aspirantes da teledramaturgia.

Em entrevista para o Correio de Babel, Leona descreve os preâmbulos. “O livro nasceu de palestras e cursos de interpretação que faço, desde 1999, com a dramaturga Ana Vitória Vieira Monteiro, onde falamos sobre os desafios e dilemas na carreira de um ator. Assuntos como fama, ego, timidez e preconceito”. 


Leona divide seu tempo entre a montagem de um monólogo para o teatro e sua rotina de gravações para televisão. “A carreira de atriz é bastante intensa e cheia de surpresas. Passamos por muitas transformações. É o que verdadeiramente nos apaixona”.

24 de outubro de 2009

Índios e cabalas


Enquanto os de baixo curtem anjos e demônios, os de cima sonham com índios fofinhos, energias e cabalas. O moralismo barato está em voga. A verdade é que todo mundo quer que o dinheiro circule e venha parar em nossos bolsos. Difícil esse mundinho de gente grande!

13 de outubro de 2009

Concílio das raças

Há 250 anos, nos EUA e na França, foi proclamado o princípio de que, por pertencermos à mesma espécie, temos os mesmos direitos, independente de etnia, cultura, religião, gênero, berço e cor. O problema é que as forças que lutam contra a discriminação, em prol de uma sociedade de iguais, acabam, por fim, enaltecendo as diferenças.

Bom exemplo é a política de cotas (nas universidades, empregos públicos ou privados), um artifício para nos opormos à discriminação, mas que, para funcionar, exige que a gente acredite nas diferenças raciais.

As chamadas "políticas afirmativas", no entanto, também trazem compensações. Desde 1994, quando a política de cotas foi adotada nos EUA, a presença de cidadãos de todas as cores na maioria das corporações se transformou num valor compartilhado por todos, no sentido estético (a diversidade é bela) e produtivo (a diversidade é funcional). Até que se tornou natural que um negro (bacharel em Harvard, mas negro) se candidatasse ao cargo máximo do país.

7 de outubro de 2009

O mito da inveja

As pessoas não são iguais e nenhuma sociedade pode mudar isso. Mulheres feias detestam mulheres bonitas, homens com menos sucesso detestam homens bem-sucedidos. Se o fantasma da mulher é a falta de beleza, do homem é a falta de luta.

A inveja é um fato científico, com origem na insegurança. O problema é quando começa a dominar as relações sociais com suas hierarquias de beleza e inteligência entre as pessoas. A ditadura dos invejosos quer destruir a liberdade.

21 de setembro de 2009

Futebol, alegria e morte

A eclosão da Segunda Guerra (1939-45) fez com que as Copas de 1942 e 46 não pudessem ser realizadas, o que não impediu uma das passagens mais épicas e nefastas do futebol. Um dos principais times da Ucrânia (incorporada à URSS) era o Dínamo de Kiev, formado por funcionários de uma padaria. Em 1942, para conquistar a empatia dos ucranianos, os invasores nazistas permitiram que um campeonato fosse realizado na Ucrânia.

Para os ucranianos, vitimados pela fome e pela ocupação militar, uma partida de futebol seria pura diversão. Neste campeonato, o Dínamo, depois de vencer todas as partidas, enfrentou o PGS, time da unidade militar alemã, e depois o Flakelf, da força aérea nazista. Os alemães acabaram sendo goleados. Os homens de Hitler não podiam acreditar! Como um time formado por subnutridos, considerados "sub-raça”, pôde vencer a soberania ariana?

Inconformados, marcaram uma revanche, com o estádio Zenit lotado. Antes da partida, os ucranianos foram instruídos a cumprimentar os adversários com a saudação nazista "Heil Hitler!". Em ato de rebeldia, no entanto, os soviéticos gritaram "Fizsculthura!" – mistura de fitzcultura ("cultura física") e hurrah ("vida longa ao esporte"). Apesar do árbitro roubar o jogo inteiro a favor dos nazistas, o Dínamo venceu o Flakelf por 5x3. Para os torcedores ucranianos, aquilo, mais do que um jogo, foi um ato de resistência e os jogadores do Dinamo se transformaram em heróis nacionais.

Dias depois, na padaria onde trabalhavam, os atletas do Dínamo foram presos pela Gestapo. O pretexto foi de que todos faziam parte da NKVD, a polícia secreta soviética. Levados para interrogatório, os ucranianos foram torturados e quatro deles acabaram mortos. Dos que sobreviveram, todos tiveram que abandonar o esporte.

16 de setembro de 2009

Casar contra quem?

Uma boa razão para casar é poder culpar o outro pelas próprias fraquezas. Um homem pode responsabilizar mulher e filhos por ter desistido de ser o “aventureiro” que havia dentro dele. No casamento, a decepção pode ser menos amarga quando transformada em acusação: “Você está me impedindo de alcançar o que não tenho coragem de fazer”.

E não pensem que seja esta a causa primordial dos divórcios. Ao contrário, traz força ao casamento. “Ainda bem que você está aqui, do meu lado, dando-me uma desculpa. Sem você, eu teria de encarar a verdade: o fato de que eu mesmo não paro de trair meus próprios sonhos.”

A gente sempre pode casar com a pessoa ideal: aquela que podemos culpar por nossos fracassos. E para compensar os sonhos não vividos, passamos as tardes de domingo num sofá. Minha mulher pede para eu brincar com as crianças ou ir até a padaria. “Mas justo eu, que deveria estar explorando o Nilo ou negociando a paz na Somália?. Minha mulher nunca está satisfeita comigo".