12 de fevereiro de 2010

A revolta dos muros


São Paulo tornou-se um espaço neutralizado, um espaço da indiferença, perdida em seus milhões de signos. Não é mais um espaço geográfico. São guetos de decodificadores codificados, de circulantes circulados. Em cada espaço da vida urbana se forma um gueto.

Tudo é projetado pelo habitat, transporte, trabalho, lazer, jogo e cultura. Não é mais um espaço geográfico. São guetos de internet, publicidade, leitores lidos de antemão, decodificadores codificados, circulantes circulados. Em cada espaço da vida urbana se forma um gueto, e todos se conectam entre si.

O espaço de solidariedade - da antiga fábrica, do antigo quarteirão e da antiga classe social - desapareceu, mergulhou no espaço da identificação. O levante está em dizer: "Eu existo, eu sou tal, eu faço isso, eu vivo aqui e agora". É a revolta da identidade: combater o anonimato construindo uma realidade exclusiva.

Na contramão disso tudo estão os muros, celebrando a obscuridade. Os graffitis não buscam conquistar uma identidade. Ao contrário, são o extermínio da identidade forçada. Não querem dizer nada. São apenas registros, simbólicos, para derrotar o sistema comum, como se fossem a revolta de si próprios. Explodem como um anti-discurso, contra toda elaboração poética ou política.

Não têm intimidade, ou vida privada, porque vivem da troca coletiva. São feitos para serem doados, trocados ou religados entre si, num anonimato coletivo, como a propriedade de ninguém.

2 comentários:

Cassiano Pires disse...

Boa tarde Pedro,
Gostei pra caralho desse texto, posso publicá-lo em meu blog? Gostaria de icluir um link para seu blog também.
Abraço

Roberto Sodré disse...

Gostei do que li e vieram boas lembranças. Até sinto um pouco sua dramaticidade 'de gueto de televisão, dos consumidores e dos consumidos’, e até mais ainda, dos excluídos?
Morei na capital como estudante pelo menos 8 anos (década de 40) e adorava o vai e vem daquela época tranqüila, e só de gravata!
Hoje não existe mais o tranqüilo, nem o namoro com pastel de queijo no mercadão e nem a sessão das 10, aos domingos, de desenhos animados do chique Cine Metro São João.
Na Avenida Paulista não tinha nem um prédio e só corria o camarão 'Avenida' e, nas chuvas, só enchia o Buraco do Ademar. Hoje, talvez venha aí um problema de muito mais água, muito do problema social e nenhuma solução a vista. Isto é São Paulo hoje, de muita chuva!
Muito bom. Era então a “terra boa, terra da garoa...", cantarolava o Adoniran e o ar condicionado só com o ventinho das tardes nos estribos dos bondes abertos e ventilados.
Chega de saudade.